É redundante e cansativo culparmos o cenário econômico do país pelo aumento dos casos de inadimplência nas empresas, uma vez que essas negligenciam os três principais pilares causadores, que são: vendas (qualidade); pagamentos (controle); e cobrança (régua). O não preenchimento de apenas 1 desses três fatores já suficiente para originar a inadimplência.
Em razão da complexidade do assunto, primeiramente trataremos superficialmente dos 3 pilares para depois focarmos na Régua de Cobrança como mecanismo para o combate e prevenção à inadimplências.
Pilar das Vendas
Quando falamos em vendas, automaticamente devemos pensar na qualidade dessas vendas como primeira barreira de controle. Isto quer dizer que as vendas não devem mais ser qualificadas pelo volume de produtos ou serviços prestados, como ocorria no passado, mas sim por uma série de KPIs somados, relacionados com: a proporção de reclamações; proporção de cancelamentos; proporção de clientes inadimplentes; número de ações judiciais de execução e/ou cobrança.
Como resultado, podemos ver que a balança de vendas é uma proporção matemática: quanto pior a venda, maiores serão problemas relacionados e consequentemente maior será a inadimplência dos seus clientes, sendo o inverso também verdade.
Pilar dos Pagamentos
Na segunda barreira de controle nós temos os pagamentos. A empresa deve se atentar as políticas e regras de controle vigentes e aplicáveis. No que tange ao pagamento, é imprescindível que a empresa elabore regras claras, mas que só terão validade se os seus colaboradores e parceiros as conhecerem, sabendo compreende-las e aplicá-las no dia a dia. Regras não cumpridas são falhas operacionais que abrem portas para o cometimento de fraudes e possibilitem à inadimplência.
Logo, não basta aos seus colaboradores saberem que a empresa aceita cartão de crédito e recusa o recebimento de pagamentos por meio de cheques. É necessário que eles compreendam as regras e políticas da empresa, saibam cumpri-las e também saibam verificar indícios de fraude.
Como fundação desse pilar, por assim dizermos, temos a questão sistêmica de pagamentos. O sistema utilizado pela empresa é confiável? Quais são os controles de funcionamento? As operações realizadas são rastreáveis e auditáveis? Sistemas automatizados e com pequena margem de influência humana são sempre a melhor opção porque eles evitam falhas operacionais dos seus colaboradores através da aplicação de políticas sistêmicas e fixas. Em termos práticos, bons sistemas operacionais impedem fraudes, erros humanos e otimizam todo o fluxo operacional de “contas a receber” por evitar retrabalhos e conectar todas as operações e políticas.
Pilar da cobrança
Esse é o pilar que nos interessa para esse artigo. Como vemos, é a terceira fase do processo operacional de uma empresa e a sua eficiência e eficácia estão intimamente relacionadas com os reflexos dos dois pilares anteriores. Vícios nas vendas e/ou pagamentos provocam um aumento no número de clientes em cobranças, geram inadimplências e cobranças inviáveis (perdas).
Entretanto, ainda que a cobrança sofra com os reflexos das vendas e pagamentos, é fundamental que ela seja bem estruturada para tratar dessas questões e ainda diminuir ao máximo os prejuízos decorrentes dos outros pilares.
Pensando nesse cenário, sugerimos a implementação da Régua de Cobrança, que nada mais é do que a adoção de políticas e procedimentos padronizados e claros, desenhados para evitar perdas financeiras e diminuir a inadimplência de clientes.
Em razão da nossa experiência prática na esfera administrativa e judicial, podemos afirmar que o tempo é um fator de suma importância quando tratamos da inadimplência. Quanto mais rápida for a resposta e o tratamento das situações, melhores serão os resultados. Para contextualizarmos, basta pensar que o cliente que tem um atraso pode ter apenas se esquecido de pagar, mas se esse cliente está com dificuldades financeiras e não consegue arcar com suas obrigações, certamente ele terá outras dívidas e nessa corrida ganha quem chegar primeiro, restando aos atrasados assumir o prejuízo e lançar a dívida como cobrança inviável.
Pensando no cenário prático de mercado, seguimos as suas tendências e indicamos a adoção das seguintes medidas para a implementação da sua Régua de Cobrança:
1) Lembrete prévio de vencimento
As empresas tem adotado os lembretes automatizado de pagamento, enviados aos seus clientes cerca de 5 dias antes do vencimento, via e-mail e/ou sms, como forma eficaz de diminuir a inadimplência. Esquecer de realizar determinado pagamento é um fato comum e que todos estamos sujeitos, servindo o lembrete como aviso para as pessoas cumpram com as suas obrigações
Podemos considerar que o lembrete prévio de vencimento é a última atitude operacional capaz de prevenir a ocorrência da inadimplência, uma vez que esse status é conferido ao cliente que falta ao cumprimento de suas obrigações jurídicas no prazo estipulado, não importando o prazo de atraso.
2) SMS após 5 dias do vencimento
Apesar da definição técnica permitir, o atraso de 5 (cinco) dias ainda não é necessariamente uma situação de inadimplência. Cabe à empresa definir suas regras e políticas internas de cobrança, buscando evitar que esses valores com atraso recente se tornem perdas e sejam lançados como cobrança inviável.
Cada empresas tem suas regras, mas em geral elas adotam a ligação ou a mensagem de texto via celular para comunicar aos “atrasados” sobre o “recente” vencimento do título. O procedimento mais comum é o aviso por e-mail e/ou sms no celular cadastrados na ficha do cliente. Por ser uma primeira cobrança, entendemos que a ligação pode sugerir um clima ostensivo para aqueles que simplesmente podem ter se “esquecido de pagar” e tem condições financeiras boas.
Por isso, o aviso de 5 (cinco) dias é importante para que aqueles que somente se esqueceram do pagamento regularizem a situação, sem cobranças ostensivas e vexatórias, através de um simples contato eletrônico (sms/e-mail).
3) E-mail após 10 dias do vencimento
Se após 1 (um) aviso prévio de vencimento e 1(um) aviso posterior de 5(cinco) dias o pagamento não foi normalizado, temos configurada a situação de inadimplência e não mais de mero atraso. É hora de subir o tom para demonstrar suas ações e obter o resultado esperado, que é o pagamento.
Sugerimos que ainda se abstenham os contatos telefônicos e se pratique o contato via e-mail. No texto encaminhado ao inadimplente devem constar a data de vencimento, a data atual e o aviso de cobrança extrajudicial com frases de alerta, como: “… regularize a sua situação…”; “… evite ser negativado…”; “… o não pagamento acarretará o protesto e ajuizamento de ação…”.
A mudança no tom da comunicação é importante para que o inadimplente perceba que a sua organização é estruturada, tem controle de contas e sabe que aquela dívida não foi paga. Esse e-mail vai mostrar ao inadimplente que ele não será esquecido e que terá que pagar ou arcará com os resultados de sua inadimplência.
4) Contato telefônico após 15 dias de atraso
O tom da cobrança tem novamente que subir para ser adaptado a situação. Se após 15 (quinze) dias a inadimplência permanece, é chegada a hora do contato pessoal via ligação.
O cobrador tem que ser uma pessoa com poder de persuasão, negociação e flexibilidade. Ele deverá saber ouvir o inadimplente e aplicar o que a empresa definiu como regra para que aquele débito seja regularizado. Mas ele também deve ter sensibilidade para que uma cobrança não se torne vexatória, provocando danos morais ao inadimplente.
Na conversa, preferencialmente gravada, o cobrador deverá explicar a situação, narrar as comunicações de cobrança e o não pagamento até aquela data. Deverá então perguntar se já foi paga a dívida e em resposta negativa, informará ao inadimplente que aquela é o último contato antes na negativação e cobrança judicial.
Algumas empresas praticam o chamado “desconto” dos juros e multa nessa negaciação telefônica, mas nós particularmente entendemos que esse tipo de ação por causar uma sensação de “impunidade”, aumentando o número de clientes em atraso, o que não será bom para as contas.
5) Negativação após 30 dias de atraso
Caso a ligação não tenha surtido os efeitos esperados, é chegada a hora da negativação do inadimplente, mas é necessário muito cuidado. Tenha certeza de que a dívida não foi paga antes de dar esse passo, para evitar transtornos judiciais e perdas financeiras por erros operacionais em ações indenizatórias.
Confirmada a inadimplência, trate do registro do protesto do título (boleto, cheque, duplicata, etc.) juntamente com a negativação do nome do devedor em órgãos de proteção ao crédito, tais como SPC/SERASA.
Apesar do protesto ser uma forma bastante utilizada no mercado, em especial porque muitos bancos fornecem esse serviço automaticamente após o não pagamento do título, ele acaba sendo uma ferramenta cara para o credor, pois tem valores para seu registro e baixa no Cartório. Por isso é importante verificar até que ponto o protesto se faz necessário ou se a simples negativação no SERASA/SPC já é suficiente.
6) Cobrança judicial
Os passos anteriores da régua são geralmente procedimentos internos das empresas, tomados por seu corpo administrativo. Porém, por questões de custos e até mesmo espaço físico, a cobrança judicial é uma etapa geralmente terceirizada para escritórios e empresas de cobrança, especializados nessas questões.
Como dissemos antes, o tempo é uma peça fundamental nessa corrida. Devedores que permanecem inadimplentes após inúmeras tentativas de cobrança amigáveis e o posterior protesto e/ou negativação, são o que chamamos de “devedores contumazes”. Esse tipo de devedor não se importa com a situação ocasionada ou não tem reais condições de priorizar aquele pagamento, mas isso não quer dizer que ele não irá pagar.
A via judicial é a última alternativa do Credor, mas nem por isso ela pode ser considerada menos eficiente. Através das ações de execução do título extrajudicial (títulos não vencidos), cobrança ou monitória (títulos vencidos), o Credor pode chegar até o patrimônio do Devedor para liquidar a dívida existente.
Aconselhamos a distribuição da ação entre 45 (quarenta e cinco) a 60 (sessenta) dias da negativação, prazo esse mais que suficiente para que o Devedor de boa-fé tenha tentado pagar a dívida. Se não pagou nesse prazo, ele não irá pagar amigavelmente depois dele.
Devedores contumazes costumam ter diversas dívidas que vão se acumulando e por isso o Credor que chegar primeiro ao patrimônio dessa pessoa será o que terá a maior probabilidade de ter a dívida quitada. Dias podem ser a diferença entre uma execução judicial exitosa e uma execução suspensa por motivo de recuperação judicial ou de falência. Quem ajuizar primeiro a ação terá a prioridade na penhora de dinheiro e bens do Devedor e isso é fundamental quando falamos de dívidas expressivas.
Em matéria de custos, as cobranças judiciais variam muito conforme a região do país, o valor da dívida e o tipo de ação que será proposta. Escritórios de advocacia que trabalham como cobranças massificadas, costumam cobrar em torno de 10% (dez por cento) a 20% (vinte por cento) do valor da dívida para ingressar com a ação, mas esse valor pode ser negociado de acordo com o valor da dívida executada e a quantidade de ações que serão propostas.
Ninguém quer partir para a cobrança judicial, mas retardá-la mais do que o tempo necessário pode ser a diferença entre o sucesso e o insucesso na liquidação da dívida.
Conclusão
Estabeleça e fiscalize a Régua de Cobrança para que ela esteja de acordo com a realidade da sua empresa. Mas não se esqueça de verificar até que ponto vale a pena manter essas ações com os colaboradores internos ou terceirizar a cobrança.
Certamente os custos de terceirização são mais elevados que os custos de internalização dos atos, mas também deve-se considerar a questão dos espaço físico e desvio do core business. Por isso, costumamos sugerir à cobrança administrativa interna, fiscalizando de perto as ações dentro do modelo fixado pela Régua de Cobrança, e apenas a terceirização das demandas judiciais, por questões de logística, uma vez ações judiciais destoam da rotina interna da empresa, demandando um alto grau de comprometimento dos envolvidos, o que torna a terceirização uma melhor opção gerencial.